Barbarella: ficção científica encontra liberação sexual
Barbarella: ficção científica encontra liberação sexual
O período entre as décadas de 1960 e 1970 foi um dos mais efervescentes em contracultura, revolução sexual e juventude politizada caminhando-e-cantando-e-seguindo-a-canção. Não por acaso, a produção artística dessa época reflete e influencia toda a transformação por que a sociedade estava passando. Ao falarmos da liberação sexual feminina, facilitada principalmente pela popularização da pílula anticoncepcional, logo vêm à mente diversos papéis femininos na literatura e no cinema que ajudaram a consolidar essa imagem de uma mulher mais forte e esclarecida, que começava a fazer com o próprio corpo o que bem entendesse. Dá pra dizer, com alguma segurança, que é bem possível que a avó de todas essas personagens femininas mais boludas tenha sido a inesquecível Barbarella, personagem de um filme e uma série de quadrinhos de ficção científica que faz viagens intergaláticas nas quais vive todo tipo de aventuras (inclusive as sexuais). Mas a história começa um pouco antes do verão do amor norte-americano, e para contá-la direito precisamos ir até a França do final dos anos 1950. Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, baixou em boa parte da Europa uma preocupação muito grande com a delinquência juvenil. Embora tenha sido causada, provavelmente, pelas alterações em todas as configurações familiares europeias – muita gente tinha morrido e quem sobrevivera ainda precisava tocar a vida –, esses casos de delinquência foram todos creditados a, imagine só, o mau exemplo das revistas em quadrinhos, que glamurizavam a criminalidade e os maus costumes. Na época, houve várias tentativas de regulamentar a produção dos cartunistas, principalmente na França.
muito amô nos quadrinhos
Jean-Claude Forest, um desses cartunistas franceses, não deu muita atenção à moral e aos bons costumes e criou, em 1962, a personagem Barbarella. De início, ela aparecia regularmente na revista V-Magazine – em 1964, as tirinhas tornaram-se o livro Barbarella. Esse livro causou um rebuliço absurdo e marcou época como uma das primeiras HQs 'para adultos', ainda que seu conteúdo erótico não tenha sido extremamente explícito. Obviamente – como ainda acontece hoje com frequência um tanto assustadora –, a mídia deu muito mais atenção ao apelo sexual do que a qualquer outro aspecto da narrativa. O próprio Forest já declarava na época, em entrevistas, que "Onde [eu] via humor e expressão de liberdade, tudo o que eles viam era 'la fesse' [literalmente, 'a bunda']". Foram quatro álbuns da personagem lançados na Europa e nos Estados Unidos: Le Terrain Vague, Les colères du Mange Minutes, Le Semble-Lune e Le Miroir aux tempêtes. No Brasil, apenas o primeiro álbum foi publicado pela Linográfica Editora, em 1969. A edição brasileira, inclusive, foi traduzida por Jô Soares (pois é).Barbarella e Pygar, o anjo cego
Se os quadrinhos já causavam alvoroço, quando eles foram transformados num filme, dirigido pelo francês Roger Vadim (marido de Jane Fonda na época), com produção italiana do Dino De Laurentiis e lançado em 1968, teve muita gente horrorizada com os 98 minutos de 'cenas em que fizemos o possível para deixar a Jane Fonda quase sem roupa'. A história tem lugar num futuro em que a humanidade, evoluída que é, chegou a um nível maravilhoso em que, por muitos anos, já não existem mais guerras. A eficiência máxima foi atingida pela humanidade após abolir algumas coisas que atrapalhavam o desempenho humano, como fazer sexo (amor, pra eles, é tomar uma pílula e dar as mãos até atingir um clímax. É estranho pra caramba). O filme começa com Barbarella dentro de sua nave revestida de pelúcia (luxo) recebendo uma ligação do imperador da Terra: ela deve encontrar o terrível vilão Durand Durand (de onde você acha que surgiu o nome daquela banda?) e impedi-lo de colocar em perigo a paz de toda a galáxia com uma nova e perigosa arma. Em meio a um eurotrash absurdo (bem coisa de italiano produzindo filme) e cenários que não economizavam no plástico transparente (todos são absurdamente bonitos), Barbarella viaja pela galáxia encontrando vários personagens – entre eles um anjo cego, um patrulhador da neve, meio 'urso', que a ensina a fazer amor 'como nos bons tempos' e um cara chamado Dildano. Dildano. No meio de tudo isso, em todas as chances possíveis, Jane Fonda fica nua em pelo. A resenha do filme, publicada em 1968 no The New York Times, não foi muito positiva – a crítica, no geral, não caiu de amores pelo filme. No entanto, ele figura em várias listas de 'melhores piores filmes' de ficção científica. Em que outro mundo há "máquinas de sexo, pílulas de sexo e até mesmo um narguile do sexo"?experimentando um nargs com essência de homem
Não bastasse isso, quando Barbarella finalmente encontra Durand Durand, depara-se com a máquina que ele construiu para matar as mulheres de prazer. Juro por Deus. Ele prende nossa protagonista em seu orgasmatron, uma espécie de piano com várias teclas que, ao tocar as damas, matam-nas de satisfação. [spoiler alert!] Nem é preciso dizer que isso é pouco para Barbarella, que destrói a máquina no cansaço antes de ser destruída por ela. A natureza meio atrapalhada da personagem faz dela uma pin-up espacial clássica e, ainda que seja 'objetificada' (principalmente nos moldes atuais de análise e crítica), Barbarella pode ser vista como um símbolo da liberação sexual como parte da emancipação feminina.Best of Barbarella from TheLeopard81 on Vimeo.
Fontes: 1 2
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